Um projeto de lei aprovado recentemente pela Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) acendeu o alerta vermelho para o funcionamento dos cartórios extrajudiciais em Mutuípe e em outras 223 cidades do estado. A proposta, enviada pelo governo estadual e aprovada no último dia 17 de junho, prevê a redução no repasse de recursos ao Fundo Especial de Compensação (Fecom), o que, segundo especialistas, pode provocar o fechamento de mais de 60% das serventias cartorárias da Bahia.
O impacto é particularmente preocupante em municípios pequenos e médios, onde os cartórios são considerados serviços essenciais para a cidadania, atendendo demandas como registros de nascimento, óbito, casamento, autenticações, escrituras e outros atos civis e notariais.
Mutuípe e o Vale do Jiquiriçá na lista de cidades ameaçadas - A cidade de Mutuípe, localizada no Vale do Jiquiriçá, é uma das afetadas diretamente pelo corte no repasse do Fecom. De acordo com a nova legislação, o valor transferido aos cartórios deficitários cairá de 12,2% para 9% da receita cartorial, uma redução de aproximadamente 25% no orçamento do fundo, que já opera com um déficit anual de R$ 40,4 milhões.
A medida poderá inviabilizar o funcionamento de até 461 cartórios no estado - o equivalente a 61,3% do total, especialmente aqueles que hoje dependem do repasse mensal de até R$ 31,8 mil para manter suas atividades básicas.
“Em municípios como Mutuípe, onde não há volume comercial alto, os cartórios não conseguem se manter apenas com as taxas recolhidas localmente. O Fecom garante a continuidade de serviços essenciais para a população”, explica Daniel Sampaio, presidente da Anoreg-BA (Associação dos Notários e Registradores da Bahia).
O Projeto de Lei nº 25.851/2025 foi votado com celeridade surpreendente: foi apresentado pelo governo estadual e aprovado em menos de 24 horas. Entidades de classe e a própria direção do Fecom afirmam que não foram consultadas.
A proposta também prevê o aumento de 2% para 4% do repasse ao Fundo de Modernização do Ministério Público da Bahia (MP-BA), medida que também recebeu críticas por não ter relação direta com o funcionamento dos cartórios.
Os cartórios são responsáveis por diversos serviços gratuitos, como registro de nascimento, casamento e óbito em primeira via — especialmente importantes para famílias de baixa renda. Com a redução dos recursos do fundo, o custeio desses serviços fica comprometido.
“Sem o Fecom, cartórios pequenos não terão condições de continuar atendendo de forma gratuita. Isso pode representar um retrocesso enorme no acesso à cidadania em todo o interior do estado”, alerta um tabelião da região.
Além de Mutuípe, o risco de fechamento atinge cidades de todos os portes, incluindo grandes centros como Salvador, Feira de Santana, Juazeiro, Jequié, Ilhéus, Teixeira de Freitas e Santo Antônio de Jesus, e dezenas de municípios do Recôncavo, Chapada Diamantina, Sertão, Extremo Sul e Oeste baiano.
Prefeitos, vereadores, entidades de classe e usuários já começaram a se mobilizar contra a medida. Em várias cidades, moções de repúdio estão sendo aprovadas por câmaras municipais, e deputados estaduais da base e da oposição admitem que o tema pode voltar ao debate em plenário diante da forte reação local.
A proposta ainda está sob análise das comissões técnicas da AL-BA, mas sua aprovação em tempo recorde indica que poderá haver pressão para consolidar as mudanças. Parlamentares que apoiaram o projeto argumentam que a medida busca racionalizar os serviços, concentrando-os em cidades-polo com maior demanda.
Entretanto, os críticos apontam que "racionalização", nesse caso, significa retirar um serviço essencial da vida civil dos cidadãos mais isolados e vulneráveis.
• Redução do repasse ao Fecom de 12,2% para 9% das receitas cartoriais;
• Aumento da alíquota para o Fundo do MP-BA de 2% para 4%;
• Estimativa de esgotamento do Fecom em até seis anos e sete meses, caso não haja reversão;
• Possível fechamento de 461 cartórios, atingindo 61% das serventias da Bahia;
• Impacto direto em 224 cidades, incluindo Mutuípe, Amargosa, Jequié, Itaberaba, Valença, Porto Seguro, entre outras.
Moradores de Mutuípe e de outras localidades do interior destacam que o fechamento dos cartórios significará mais gastos com deslocamentos, burocracia, e atrasos no acesso a serviços básicos. Para muitos, isso pode representar exclusão civil, especialmente em regiões com baixa oferta de internet e transporte público.
“Um registro de nascimento ou óbito é mais do que um papel. É um direito. E esse direito não pode ser retirado da população por causa de uma conta mal feita”, declarou um líder comunitário de Mutuípe.
Grandes centros e cidades-polo:
Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Itabuna, Ilhéus, Juazeiro, Jequié, Alagoinhas, Santo Antônio de Jesus, Camaçari, Simões Filho, Lauro de Freitas, Porto Seguro, Paulo Afonso, Teixeira de Freitas, Guanambi, Barreiras, Jacobina, Irecê, Senhor do Bonfim, Itaberaba.
Outras cidades afetadas (lista parcial por ordem alfabética):
Abaré, Acajutiba, Alcobaça, América Dourada, Amargosa, Anagé, Andaraí, Angical, Antas, Aporá, Araci, Aurelino Leal, Baixa Grande, Barra, Barra do Mendes, Barro Preto, Belmonte, Belo Campo, Boa Nova, Boa Vista do Tupim, Bom Jesus da Lapa, Boquira, Botuporã, Brejões, Brumado, Buerarema, Caculé, Cachoeira, Caetité, Camacã, Camamu, Campo Formoso, Canarana, Cândido Sales, Capela do Alto Alegre, Capim Grosso, Caravelas, Carinhanha, Castro Alves, Catu, Central, Chorrochó, Cícero Dantas, Cipó, Cocos, Conceição da Feira, Conceição do Almeida, Conceição do Jacuípe, Conde, Condeúba, Coração de Maria, Coribe, Cotegipe, Cristópolis, Curaçá, Dias D’Ávila, Entre Rios, Esplanada, Formosa do Rio Preto, Gavião, Glória, Governador Mangabeira, Guaratinga, Ibicaraí, Ibicoara, Ibicuí, Ibirapitanga, Ibirapuã, Ibirataia, Ibititá, Ibitiara, Ibotirama, Ichu, Igaporã, Iguaí, Ilhéus, Inhambupe, Ipecaetá, Ipiaú, Ipirá, Ipuã, Iramaia, Iraquara, Irará, Itabela, Itaberaba, Itabuna, Itacaré, Itaeté, Itagi, Itagibá, Itagimirim, Itaju do Colônia, Itajuípe, Itamaraju, Itambé, Itapebi, Itapetinga, Itapitanga, Itaquara, Itarantim, Itiruçu, Itiúba, Itororó, Ituaçu, Ituberá, Jaguaquara, Jaguaripe, Jacaraci, Jacobina, Jandaíra, Jeremoabo, Jequié, Jiquiriçá, Jitaúna, João Dourado, Juazeiro, Jussara, Lapão, Laje, Lauro de Freitas, Lençóis, Licínio de Almeida, Livramento de Nossa Senhora, Macaúbas, Macarani, Macururé, Madre de Deus, Maiquinique, Mairi, Malhada, Maragogipe, Marcionílio Souza, Mata de São João, Matina, Milagres, Morpará, Morro do Chapéu, Mucugê, Mucuri, Mundo Novo, Muniz Ferreira, Mutuípe, Nazaré, Nilo Peçanha, Nordestina, Nova Canaã, Nova Fátima, Nova Soure, Olindina, Palmas de Monte Alto, Palmeiras, Paramirim, Paratinga, Paripiranga, Pau Brasil, Pé de Serra, Pindobaçu, Pindaí, Piripá, Piritiba, Planalto, Poções, Porto Seguro, Prado, Presidente Dutra, Presidente Jânio Quadros, Quixabeira, Remanso, Retirolândia, Ribeira do Pombal, Riachão do Jacuípe, Rio de Contas, Rio do Antônio, Rio Real, Rodelas, Ruy Barbosa, Salinas da Margarida, Santa Bárbara, Santa Inês, Santa Luzia, Santa Maria da Vitória, Santa Rita de Cássia, Santa Teresinha, Santaluz, Santanópolis, Santana, Santo Amaro, São Domingos, São Felipe, São Félix, São Francisco do Conde, São Gabriel, São Gonçalo dos Campos, São José do Jacuípe, São Sebastião do Passé, Sapeaçu, Saubara, Saúde, Seabra, Senhor do Bonfim, Serra Dourada, Serra Preta, Serrinha, Simões Filho, Sobradinho, Souto Soares, Taperoá, Tanhaçu, Tanque Novo, Teixeira de Freitas, Teofilândia, Terra Nova, Tremedal, Tucano, Ubaitaba, Ubatã, Uibaí, Una, Uruçuca, Urandi, Utinga, Valença, Valente, Várzea do Poço, Vera Cruz, Vitória da Conquista, Wanderley, Wenceslau Guimarães, Xique-Xique.
Diante da abrangência e das possíveis consequências do projeto, cresce a pressão para que a medida seja revista ou ajustada, a fim de preservar o acesso da população aos serviços essenciais garantidos pelos cartórios - especialmente nas cidades do interior, onde essas unidades representam o elo direto entre o cidadão e seus direitos civis mais básicos.
O debate agora é urgente para que soluções sejam encontradas, evitando prejuízos irreparáveis à população, especialmente nas regiões mais vulneráveis do estado.